A arte e o sagrado se confundem na vida de todos nós e como mosaicos vão criando a tessitura do ser humano que somos e na minha vida não podia ser diferente. Foi desde a adolescência, na vivência da comunidade cristã e depois no engajamento pastoral e social nas comunidades eclesiais de base que a arte foi se revestindo de cores e através de pequenos pedacinhos de papel foi construindo o ser humano e o artista que hoje sou.
As minhas obras nasceram do acaso e da necessidade nas comunidades da periferia, especialmente na Paróquia da Santíssima Trindade, no José Walter, onde trabalhávamos. Precisávamos fazer cartazes para o Evangelho das celebrações dominicais e com uma técnica de gabarito de letras, que aprendi ainda criança com meu mestre Monsenhor Oscar, comecei a fazer os cartazes, usando revistas velhas e folhas de papel sulfite reaproveitadas. Das letras recortadas ficavam pequenas aparas de papel e para que o cartaz se tornasse esteticamente mais bonito comecei a fazer molduras laterais com essas pequenas sobras geométricas, que na sua maioria eram triângulos, a modo de pequenos mosaicos. Como os tamanhos dos pedaços de papel eram irregulares, precisava unir mais de um recorte para dar o colorido ao mosaico. Foi aí que comecei a ver que poderia criar texturas, degradês e desenhos coloridos e desse modo encontramos a solução para compor os ícones que acompanhariam a frase e o tema da liturgia do domingo, já que não tínhamos dinheiro para comprar tintas. Lembro-me da primeira imagem que fiz: uma Nossa Senhora com um grande manto azul que misturava vários tipos de papel, formando um lindo degradê, que lembrava o céu azul de um dia ensolarado, como o da cidade de Fortaleza.
Passei muito tempo com o meu ser artista guardado. Cola, tesoura e papéis esquecidos em uma gaveta. Começava uma obra e às vezes levava até dois anos para terminá-la e muitas se perderam por conta da fragilidade do material e pelo esquecimento do artista. Eis que em 2020, assolados pela Pandemia da Covid-19, fomos jogados numa dobra do tempo e foi aí que me deparei novamente com a minha arte e meus pequenos recortes de papel. Durante o isolamento social resolvi retomar obras que estavam inacabadas.
Com o prolongar da Pandemia, eu e meu companheiro Hélio Pinheiro, resolvemos nos isolar na cidade de Guaramiranga, aos pés do Convento da Gruta de Nossa Senhora de Lourdes, onde se congregam os frades capuchinhos. Em uma volta ao engajamento pastoral e à comunidade cristã comecei a fazer, toda semana, um ícone para ilustrar o evangelho do domingo, dando origem à exposição “KAIRÓS: tempvs Domini”.
A minha obra é toda feita de material reciclável. São pequenos pedacinhos de papel que vão sendo colocado e sobrepostos um a um, formando um grande mosaico que retrata os mistérios da encarnação e o mistério do humano que se recicla e se refaz e, que às vezes se quebra em pedacinhos e precisa se colar de novo para continuar a caminhada. Diante do convite do Cineteatro São Luiz, para expor minhas obras, vejo que a arte e o sagrado seguem se fundindo na vida de todos nós.
Essa exposição é feita de pequenos pedaços de papel que formam um todo colorido. Desta forma é necessário agradecer a cada pessoa que como “pedacinhos de papel coloridos” contribuíram para essa exposição. Aos meus amigo-irmãos que escreveram palavras tão afetuosas no texto que apresentam a exposição: Andrea Muraro, Cleudene Aragão, Frei Lopes, Lucineudo Irineu e Padre Silvio Lima. Ao meu companheiro Hélio Pinheiro pelas lindas palavras sobre São Francisco e pela presença-presente em todos os momentos. À direção do Cineteatro São Luiz na pessoa de José Alves Netto e Lucinha Rodrigues. À equipe técnica, pelo carinho e atenção durante o processo.
Nixon Araújo, artista
Vivemos um tempo em que parecemos estar estagnados, mas ao olharmos as imagens- colagens de Nixon Araújo, a sensação é de movimento. A técnica, ao dispor as pequeninas partes de papel, são sempre iluminadas pela recolha das cores, colocando-nos, os nós- observadores apreciadores -, diante de vitrais, como se estivéssemos dentro de antigas catedrais, antigos templos, que nos fazem percorrer um caminho para dentro de nós mesmos, a luz nos atravessa e nesse movimento, as imagens-colagens passam também a ser parte de nós. Daí, a trajetória da iluminação e do sagrado.
Andrea Muraro, professora da UNILAB
LUZES DO NATAL:
UM MENINO NOS FOI DADO
A experiência do Natal em Família é tão diversa como o é a própria constituição da família em si tal como vemos retratado, com sensibilidade e afeto, em Mosaicos de papel: experiência do Sagrado, do artista Nixon Araújo. Como pai adotivo que abre seu coração e seu lar para receber amor do filho, José nos ensina o valor da adoção como fonte de afeto incondicional. E assim seguem as famílias no Advento de seus lares, entre cortes e recortes de afetos, como nas obras que vemos aqui. Vida longa a seu artista!
Lucineudo Irineu, 35 anos, pai do Messias e do Jonas, adotados aos 07 e aos 13 anos respectivamente.
A ESPERA
35cmx115cm
ANUNCIAÇÃO
35cmx94cm
NOSSA SENHORA DA ALEGRIA
47cmx18cm
MAGNIFICAT
127cmx212cm
SANTOS REIS
56cmx40cm
SAGRADA FAMÍLIA
DE NAZARÉ
37cmx53cm
KAIRÓS:
TEMPVS DOMINI
Retalhos, pedaços, porções do todo, foram a primeira linguagem humana escrita em forma de arte. Compor um texto visual continua a ser o que há de mais subtil e criativo na era da imagem digital. A obra de Nixon Araújo consegue ainda a proeza de falar, para além do humano, daquela “Beleza que salvará o mundo “no dizer de Dostoiévski, ao citar o Divino. A arte paleocristã foi o principal meio de catequese e experiência espiritual dos que creram em Cristo. Este “fio de luz” continuou pelos milênios através dos ícones multicolores do Oriente, vitrôs e rosáceas românicas e medievais até à profusão de luz e calor dos afrescos. De algum modo e em todos os pedacinhos reconstruindo figuras e transpirando luz, cor, beleza e forma, o artista junta “os tais caquinhos do Velho Mundo” com traços do Novo, hodierno, diverso e sempre metamorfósico imaginário humano e divino. Também nos sombrios dias pandêmicos a Beleza salva o mundo. Do artista e o nosso.”
(Frei Francisco Lopes Neto, OFMCap *Doutor em Teologia e Comunicação)
O PENITENTE
44cmx76cm
O DESERTO
37cmx73cm
A TRANSFIGURAÇÃO
37cmx85cm
OS VENDILHÕES
DO TEMPLO
43cmx75cm
JESUS E NICODEMOS
43cmx53cm
O GRÁO DE TRIGO
46cmx74cm
OS RAMOS E O BURRINHO
68cmx42cm
O LAVA PÉS
46cmx52cm
O CRUCIFICADO
65cmx52cm
RESSUSCITADO
65cmx52cm
O JARDINEIRO
28cmx107cm
OS DISCÍPULOS DE EMAÚS
63cmx29cm
O BOM PASTOR
39cmx70cm
O SENHOR DAS MISERICÓRDIAS
55cmx35cm
O ESPÍRITO SANTO
44cmx82cm
A ASCENSÃO
44cmx82cm
MÃE DE DEUS
MATER DEI
“Mãe do céu morena, Senhora da América Latina, em tuas belas versões nascidas das mãos do artista Nixon Araújo, olha por nós! Nossa Senhora de Aparecida, de Guadalupe, de Todas as Cores, do Carmo, do Silêncio, da Alegria... tantas formas em que o Divino habita em nós, ilumina as terras massacradas desse Brasil!
Ancorado em suas vivências em comunidade, nas utopias que nutrimos as crias de Freire e Boff, Nixon materializa essas Marias, singelas e sofisticadas, profundamente humanas, formadas de mosaicos como todos nós, perpassadas como nós pelos momentos da História, clamando como nós por justiça para os pequeninos. Papel que conta histórias, papel que desenha traços, papel que flutua, papel que emociona, roga por nós!”
Cleudene Aragão, professora da UECE e escritora
NOSSA SENHORA DE APARECIDA
58cmx30cm
NOSSA SENHORA DE GUADALUPE
66cmx31cm
NOSSA SENHORA DE TODAS AS CORES
70cmx53cm
NOSSA SENHORA DO CARMO
69cmx29cm
CRISTO, OS SANTOS E OS ARCANJOS
Contemplação: dom do Espírito Santo! Deus em Sua Infinita Bondade compartilhou com o homem a capacidade de admirar tudo que Ele mesmo criou e viu que era bom (Cf. Gn 1). Neste misterioso e esplêndido dom, o Espírito Santo dá ao espírito humano a “criação artística”, o “Artista Eterno” chama o ser humano a participar de Seu Amor e comunicar ao mundo a contemplação do próprio Deus que se autorrevela à humanidade, mas, também do contemplar tudo que Ele criou, todas as coisas visíveis e invisíveis.
Neste sentido, nos recorda São João Paulo II, “quanto mais consciente está o artista do « dom » que possui, tanto mais se sente impelido a olhar para si mesmo e para a criação inteira com olhos capazes de contemplar e agradecer, elevando a Deus o seu hino de louvor. Só assim é que ele pode compreender-se profundamente a si mesmo e à sua vocação e missão.” (Carta aos Artistas, 04.04.1999).
Nas obras de Nixon, pelo dom que Deus lhe deu, podemos ser conduzidos ao despertar do encantamento divino. Abre-nos ao encontro com Deus que se revela no Verbo Encarnado, que passa fazendo o bem, Ele é o Crucificado-Ressuscitado. Contemplamos o invisível: os anjos que são enviados por Deus como mensageiros, guardiões que acompanham o povo, testemunhas e intercessores diante de Deus e fortes lutadores em defesa da vida. Contemplamos os santos: admiráveis homens e mulheres que pela própria vida doada de diversos modos são raios de luz que irradiam o amor divino por cada pessoa.
Em sintonia com a convocação do Papa Francisco com o cuidado da Casa Comum na encíclica Laudato Si, o conjunto artístico de Nixon renova o compromisso ecológico no diálogo respeitoso e transformador entre Arte-Ambiente, Existência-Reciclagem, Degradação-Contemplação, Cores-Sacro, Piedade-Ecologia.
Relembro um trecho do discurso do Papa Francisco aos membros do movimento “Diaconia da Beleza”: “Num mundo onde a técnica é com frequência entendida como o principal recurso para interpretar a existência (cf. Laudato si, 110), com os vossos talentos e haurindo das fontes da espiritualidade cristã, sois chamados a propor «uma forma alternativa de entender a qualidade de vida, encorajando um estilo de vida profético e contemplativo, capaz de gerar profunda alegria sem estar obcecado pelo consumo» (ibid., 222), e a servir a criação e a salvaguarda de “oásis de beleza” nas nossas cidades muitas vezes cimentadas e desalmadas. Sois chamados a conhecer a gratuitidade da beleza.” (24.02.2018).
Minha gratidão por nos ajudar a perceber a grandeza inefável de Deus, por nos reaproximar pela contemplação do Belo e da beleza, por ser construtor de pontes num mundo que exclui criando muros, por nos capacitar pela arte a reconhecer a dignidade do ser humano. Seja sempre dócil ao Espírito Santo, deixando Ele vos guiar, e estando ao serviço d’Ele e da humanidade.
Padre Silvio Lima, Padre da Arquidiocese de Fortaleza - Centro de Spiritualità di Comunione - Movimento dos Focolares - Loppiano,Florença, Itália.
O CORAÇÃO DE JESUS
50cmx32cm
PAXVOBIS
55cmx62cm
SÃO MIGUEL E O DRAGÃO
70cmx93cm
SÃO MIGUEL
43cmx30cm
SÃO JOSÉ AZUL
51cmx71cm
SÃO JOSÉ NEGRO
40cmx30cm
SANTO AGOSTINHO E A FELICIDADE
55cmx40cm
São Francisco, o pobrezinho de Assis, o pobrezinho de todos nós. Uma das grandes figuras da espiritualidade na história do cristianismo está materializada nas obras do artista Nixon Araújo. A opção de São Francisco pela pobreza e pela ecologia, aqui entendida como uma prática de genuína frugalidade, de não ostentação e não consumismo, se reflete na obra do artista que constrói, a partir de pequenos pedaços de papel reaproveitado, cenas que mostram a comunicação que o Santo dos pobres tinha com a natureza e de modo especial com os animais. O artista Nixon Araújo, por meio dos seus mosaicos de papel, nos convida a refletir sobre o exemplo de respeito autêntico e pleno pela integridade da criação deixado por São Francisco.
Hélio Pinheiro, Professor da UFC e tradutor público
SÃO FRANCISCO E O PASSARINHO
40cmx27cm
O ARTISTA
NIXON ARAÚJO
Artista visual e produtor cultural. Trabalha com colagem desde quando era agente de pastoral nas Comunidades Eclesiais de Base e na Catequese do Conjunto Habitacional Prefeito José Walter. Aprendeu a fazer os cartazes, a partir de revistas velhas, que ecoavam a Palavra da Boa Nova e que com o tempo foram se transformando em pequenos mosaicos de papel que davam cor e vida aos ícones, com cenas do Evangelho do Domingo, celebração da partilha e da luta da Comunidade. Já desenvolveu trabalhos e oficinas de colagens com a técnica Mosaicos de Papel na Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, Secretaria Municipal de Cultura de Fortaleza, Universidade da Integração da Lusofonia Afro Brasileira, Editora Casa do Conto, Associação dos Amigos de Guaramiranga, Bienal Internacional do Livro e Salão de Abril do Ceará.
Imagem Chico Gomes.
AGRADECIMENTOS
Esta exposição é feita de pequenos pedaços de papel que formam um todo colorido. Desta forma gostaria de agradecer a cada pessoa que, como “pedacinhos de papel coloridos”, contribuiu para a sua realização:
Aos meus amigos-irmãos que escreveram palavras tão afetuosas nos textos que apresentam a exposição: Andrea Muraro, Cleudene Aragão, Frei Lopes, Lucineudo Irineu e Padre Silvio Lima.
Ao meu companheiro, pelas lindas palavras sobre São Francisco e pela presença-presente em todos os momentos: Hélio Pinheiro.
À direção do Cineteatro São Luiz, na pessoa de José Alves Netto e Lucinha Rodrigues.
À equipe de produção, pelo carinho e atenção durante o processo de construção da exposição: Rodrigo Gadelha, Guilherme Silva, Mairla Ferreira, Nefertith Andrade e Yule Bernardo.
E ao meu mestre na arte e no sagrado: Monsenhor Oscar Peixoto Filho (In Memoriam).
FICHA TÉCNICA
Produção Executiva
Nefertith Andrade
Curadoria
Mairla Costa e Rodrigo Gadelha
Fotografia
Guilherme Silva
Montagem e Design
Yule Bernardo
Assessoria de Imprensa
Monique Linhares